Com o avanço da tecnologia e a popularização do comércio eletrônico, as relações de consumo online se tornaram cada vez mais comuns. Nesse contexto, a responsabilidade civil desempenha um papel crucial na proteção dos consumidores e na garantia de um mercado digital justo e seguro.
Atualmente, a prática de compra pela internet é bastante de comuns, por meio da qual muitos consumidores adquirem produtos e serviços. No entanto, é comum que surjam dúvidas se essas transações são realmente confiáveis e seguras quando o assunto é este.
Este artigo explora os aspectos jurídicos da responsabilidade civil nas relações de consumo online, destacando as obrigações dos fornecedores e os direitos dos consumidores.
Responsabilidade Civil dos Provedores de E-commerce
● Responsabilidade Objetiva por Defeitos nos Produtos e Serviços: Prevista nos artigos 12, 13 e 14 do CDC, os fornecedores são responsáveis independentemente de culpa.
A fim de expor a aplicação prática destes dispositivos, apresenta-se trecho de Acórdão:
“[...] 8. Os artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor estabelecem a responsabilidade objetiva do fornecedor, cabendo ao consumidor a demonstração do dano (material e/ou moral), do nexo de causalidade entre esse e o vício do produto/serviço, independente da existência de culpa, sendo que, quanto aos danos morais, o prejuízo imaterial é uma decorrência natural da violação do direito da personalidade ou da prática do ato ilícito.”
Acórdão 1227687, 07081761020188070006, Relator: MARIA DE LOURDES ABREU, 3ª Turma Cível, data de julgamento: 29/1/2020, publicado no DJE: 12/2/2020.
● Responsabilidade por Falhas na Entrega e Atendimento: Inclui a obrigação de cumprir prazos e condições estabelecidas na oferta (art. 30 do CDC).
Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.
● Responsabilidade Solidária: Entre fornecedores e intermediários, conforme artigo 18 do CDC, que estabelece a responsabilidade solidária pelos vícios do produto ou serviço.
Legislação Aplicável
Código de Defesa do Consumidor (CDC):
Princípios Gerais: Proteção à vida, saúde e segurança do consumidor (art. 6º, I), direito à informação (art. 6º, III), e proteção contra publicidade enganosa e abusiva (art. 6º, IV).
Art. 6º São direitos básicos do consumidor:
I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;
[...]
III - a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; (Redação dada pela Lei nº 12.741, de 2012) Vigência
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;
Direitos Básicos do Consumidor: Informações claras e adequadas sobre produtos e serviços (art. 31), e direito ao arrependimento em compras feitas fora do estabelecimento comercial (art. 49), os quais serão melhor desenvolvidos.
Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
Parágrafo único. As informações de que trata este artigo, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma indelével.
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014):
Princípios e Diretrizes: Liberdade de expressão, proteção da privacidade e proteção dos dados pessoais (art. 3º).
Responsabilidade dos Provedores: Responsabilidade civil por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros quando, após ordem judicial específica, não tomarem providências para tornar indisponível o conteúdo (art. 19).
Direitos dos Consumidores
Os consumidores que fazem compras online estão protegidos por várias leis brasileiras que garantem seus direitos. Aqui estão alguns dos principais direitos que assistem ao consumidor ao fazer uma compra pela internet:
● Produto com defeito: Se o produto recebido tiver um defeito, o fornecedor é obrigado a reparar ou substituir o item, sem custo adicional para o consumidor. Segundo o artigo 18 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), caso o defeito não seja resolvido em até 30 dias, o consumidor pode escolher entre a substituição do produto, a restituição do valor pago ou um abatimento proporcional do preço. Caso o vício ainda assim não seja sanado, torna-se cabível indenização no âmbito jurídico:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. VÍCIOS OCULTOS EM VEÍCULO “ZERO QUILÔMETRO”. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. INSURGÊNCIA DAS RÉS. APELAÇÃO (1) IRREGULARIDADE NA REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL. POSSIBILIDADE DE ASSINATURA ELETRÔNICA, DESDE QUE MEDIANTE CERTIFICADO DIGITAL EMITIDO POR AUTORIDADE CERTIFICADORA CREDENCIADA. VÍCIO NÃO SANADO APESAR DE DEVIDAMENTE INTIMADO PARA TANTO. ASSINATURA ELETRÔNICA ACOSTADA COM IDENTIFICAÇÃO INCOMPLETA. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE DE SUA VALIDADE. INEXISTÊNCIA DE REPRESENTAÇÃO VÁLIDA. RECURSO NÃO CONHECIDO.APELAÇÃO (2) RELAÇÃO DE CONSUMO. APLICAÇÃO DOS DITAMES DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. SURGIMENTO DE VÍCIOS OCULTOS NO VEÍCULO. INSURGÊNCIA DO CONSUMIDOR DENTRO DO PRAZO DECADENCIAL DE 30 DIAS. PROVA PERICIAL APTA A DEMONSTRAR A EXISTÊNCIA DE VÍCIO. INSURGÊNCIA TEMPESTIVA DO AUTOR. POSSIBILIDADE DE UTILIZAÇÃO, PELA PARTE PREJUDICADA, DAS PRERROGATIVAS PREVISTAS ART. 18, § 1º, DO CDC. DIREITO POTESTATIVO. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DAS RÉS EM PROCEDER À SUBSTITUIÇÃO DO VEÍCULO, COM AS MESMAS CARACTERÍSTICAS, OU, ALTERNATIVAMENTE, O RESSARCIMENTO DO VALOR DESPENDIDO CONDICIONADO À ENTREGA DO VEÍCULO. DANOS MORAIS. CABIMENTO. FRUSTRAÇÃO AGRAVADA POR SE TRATAR DE BEM NOVO. IMPOSSIBILIDADE DE BOM USO DO BEM. SENTENÇA MANTIDA. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO.
(TJPR - 8ª Câmara Cível - 0006453-15.2019.8.16.0037 - Campina Grande do Sul - Rel.: ANA CLAUDIA FINGER - J. 14.03.2024)
Exemplo: Um consumidor comprou um notebook que apresentou problemas na tela após uma semana de risco. O fornecedor deve reparar ou substituir o notebook sem custo adicional ao consumidor.
● Atraso na entrega: O fornecedor deve cumprir o prazo de entrega prometido ou, caso atrase, deve ser justificável e não exceder o tolerável. Em caso de atraso elevado, o consumidor pode exigir a entrega imediata, cancelar a compra com reembolso ou aceitar um produto equivalente. Esse direito está garantido pelo artigo 35 do CDC. Evidentemente, deve-se levar em conta se o fornecedor enviou. Se tiver enviado, o erro recai à empresa intermediadora ou transportadora.
Exemplo: Foi adquirido um presente de aniversário com prazo de 5 dias úteis, mas ele não chegou no prazo por um erro do fornecedor. Nesse caso, o consumidor pode solicitar a entrega imediata ou cancelar a compra e solicitar reembolso.
● Direito de arrependimento: Para compras feitas fora do estabelecimento comercial, como pela internet, o consumidor tem 7 dias para desistir da compra e devolver o produto, sem necessidade de justificativa, conforme o artigo 49 do CDC. O prazo começa a contar a partir do recebimento do produto. Semelhantemente, o desrespeito a esse direito consumerista, enseja em dever indenizatório, conforme demonstra-se:
RECURSO INOMINADO. COMPRA DE VIAGEM PELA INTERNET. EXERCÍCIO DO DIREITO DE ARREPENDIMENTO. ART. 49 DO CDC. AUSÊNCIA DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. SITUAÇÃO CONCRETA QUE NÃO SE LIMITOU À INDISPONIBILIDADE DOS VALORES PAGOS, EXPONDO O CONSUMIDOR A TRANSTORNOS DESNECESSÁRIOS. VALOR DA INDENIZAÇÃO MAJORADO. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
(TJPR - 1ª Turma Recursal - 0010776-81.2023.8.16.0018 - Maringá - Rel.: JUÍZA DE DIREITO DA TURMA RECURSAL DOS JUÍZAADOS ESPECIAIS VANESSA BASSANI - J. 17.06.2024)
Exemplo: O consumidor comprou uma roupa online, mas ao recebê-la, não gostou do modelo. Dentro de 7 dias, poderá devolver a roupa e receber o reembolso total do valor pago. Destaca-se que o prazo passa a ser contato a partir do recebimento, não do pagamento no site. Para fins legais, se a encomenda for recebida na portaria, considera-se igualmente como recebido pelo consumidor.
Deveres do Fornecedor
Os fornecedores também têm responsabilidades específicas que devem cumprir para garantir uma relação justa e transparente com os consumidores. Aqui estão alguns dos principais deveres dos fornecedores:
● Informação Clara: Os fornecedores devem fornecer informações detalhadas e precisas sobre os produtos, incluindo características, preço, condições de pagamento e prazo de entrega. Essas informações devem estar disponíveis de forma clara e acessível, conforme o artigo 31 do CDC.
Exemplo: Em um site de compras, a descrição de um celular deve incluir informações como especificações técnicas, preço total, formas de pagamento e prazo de entrega.
● Segurança dos Dados: Os fornecedores são responsáveis pela proteção dos dados pessoais dos consumidores. Isso inclui garantir a segurança das informações fornecidas durante a compra e cumprir as normas estabelecidas pelo Marco Civil da Internet (Lei nº 12.965/2014) e pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD, Lei nº 13.709/2018). Embora um tema relativamente inovador, os tribunais já vêm se posicionando quanto à tais falhas:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - VAZAMENTO DE DADOS PESSOAIS - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - DANO MORAL - OCORRÊNCIA - CULPA EXCLUSIVA DE TERCEIROS - NÃO CARACTERIZADA - VALOR - CIRCUNSTÂNCIAS E RAZOABILIDADE.
- Configura defeito na prestação do serviço e, por conseguinte, dano moral indenizável o vazamento de dados pessoais e sigilosos de clientes pela empresa mantenedora que não ofereceu a segurança necessária sobre as informações que lhe foram confiadas pelos seus usuários.
- Não se pode falar em culpa exclusiva de terceiro que isente a ré de responsabilidade, se configurada a falha na prestação de seus serviços.
- O valor da indenização por danos morais deve ser fixado de forma proporcional às circunstâncias do caso e com razoabilidade. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.21.082425-6/001, Relator(a): Des.(a) Evandro Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 02/09/2021, publicação da súmula em 03/09/2021)
Exemplo: Ao comprar em um site, deve-se ter a certeza de que seus dados, como endereço e informações de pagamento, estão protegidos contra acessos não autorizados.
● Cumprimento de Ofertas: Toda oferta deve ser cumprida conforme anunciada. Se o fornecedor não puder cumprir a oferta, o consumidor tem o direito de exigir o cumprimento forçado da obrigação, aceitar outro produto ou serviço equivalente, ou rescindir o contrato com direito a reembolso, conforme o artigo 35 do CDC.
Exemplo: Se uma loja online anuncia uma promoção de um eletrodoméstico com 50% de desconto, ela deve honrar essa oferta para todos os consumidores que fizerem a compra durante o período promocional.
Problemas mais comuns
Muitos consumidores enfrentam problemas específicos ao fazer compras online. Aqui estão alguns exemplos comuns e como os direitos do consumidor se aplicam a essas situações:
● Produto Diferente do Anunciado: Se o produto recebido for diferente do anunciado, o consumidor pode exigir a troca ou devolução com reembolso. O fornecedor deve garantir que as informações sobre o produto sejam verdadeiras e completas.
● Produto Danificado no Transporte: Em caso de produto danificado durante o transporte, o fornecedor é responsável por substituir ou reparar o item. O consumidor deve comunicar o problema ao fornecedor o mais rápido possível.
● Dificuldade em Cancelar a Compra: Se o fornecedor se recusar a cancelar a compra dentro do prazo de arrependimento, o consumidor pode recorrer ao Procon ou entrar com ação judicial. O direito de arrependimento garante que o consumidor possa devolver o produto e receber o reembolso total.
Como resolver
Se você enfrentar problemas com compras online, existem várias maneiras de resolver a situação:
● Contato com o Fornecedor: Sempre tente resolver diretamente com o fornecedor primeiro. Documente todas as comunicações, incluindo e-mails e mensagens de chat.
● Procon: Se não conseguir resolver o problema diretamente com o fornecedor, procure o Procon para registrar uma reclamação. O Procon pode mediar a situação e ajudar a garantir que seus direitos sejam respeitados.
● Justiça: Em último caso, se o problema não for resolvido por meio do Procon, você pode buscar a Justiça para garantir seus direitos, através de um advogado especializado que poderá te orientar da melhor maneira.
Conhecer seus direitos como consumidor e os deveres dos fornecedores é essencial para garantir que suas compras online sejam seguras e satisfatórias.
Por isso, a orientação que prevalece é a atenção às informações fornecidas pelo site, além de que o consumidor não deve hesitar em buscar seus direitos em caso de problemas. Compreender a legislação que protege os consumidores ajuda a evitar problemas e a resolver conflitos de maneira eficaz.
Para compreender plenamente os seus direitos e como conseguir o ressarcimento por uma compra realizada ou até mesmo indenização por danos de âmbito moral, não deixe de consultar um advogado especializado que te auxiliará na busca por seus direitos e interesses.
Procure um advogado especializado.
Bernardo Fernandes é advogado atuante em Londrina e região. Possui formação superior em Direito (UEL) e pós-graduações em Direito Civil, Direito Empresarial e Direito de Família & Sucessões (IDD/IBMEC-SP).